A área é remanescente de antigas salinas e guarda sítios arqueológicos
Uma vasta área remanescente de antigas salinas, no bairro Portinho, tem todas as características necessárias para ser transformada em um parque urbano de sucesso.
Apesar do enorme potencial para a criação de parques urbanos, o Brasil ainda tem atuação tímida neste sentido; seja por obstáculos na implantação de espaços verdes, quase sempre sujeitos ao lobby do setor imobiliário, ou por questões relativas à rotina das cidades, como segurança e manutenção desses espaços.
Esses “pulmões verdes” das cidades possuem incontáveis benefícios, que vão muito além da simples melhoria da qualidade do ar e da conservação do ambiente natural para os animais nativos da região.
Em todos os locais onde foram implantados, os parques urbanos se transformaram em Instrumento de integração e convívio para os moradores, que rapidamente os transformaram em local de caminhadas, prática de esportes, piqueniques ou, simplesmente, descanso.
A prática de atividades ao ar livre traz inúmeros benefícios aos indivíduos, sendo a implantação de parques urbanos uma significativa estratégia para melhorar as políticas públicas voltadas para um projeto urbano socializado e de saúde pública.
Por outro lado, também a atividade turística é grande beneficiária da criação de parques, espaços sempre procurados por turistas para fotos e lazer, quando visitam as cidades. Apenas em 2018, as Unidades de Conservação federais brasileiras, abertas à visitação, receberam 12,4 milhões de visitas.
Exemplos virtuosos
Além do exponencial exemplo do Central Park, em Nova Iorque, no Brasil, as duas maiores cidades do país possuem parques urbanos que se tornaram referências, tanto no aspecto ambiental como turístico. No Rio de Janeiro, o Jardim Botânico, criado em 1808, ocupa área equivalente a 137 campos de futebol e é um dos locais mais icônicos da cidade.
Em São Paulo, o Parque Ibirapuera é outro bom exemplo. Em 2017 recebeu o título de parque mais visitado da América Latina, com mais de 14 milhões de visitas, sendo também reconhecido como um dos locais mais fotografados no mundo.

Cabo Frio e a cultura da ocupação
A cidade de Cabo Frio/RJ sofre adensamento populacional acelerado e contínuo, tendo passado de 80 mil para mais de 200 mil habitantes em apenas uma década. A pressão do setor imobiliário ocupou toda a área central, restando hoje apenas um último espaço livre com as características ideais para receber um parque urbano sustentável.
Uma vasta área remanescente de antigas salinas, no bairro Portinho, ainda permanece vazia e tem todas as particularidades necessárias para ser transformada em um parque urbano de sucesso. Está colada ao Centro, com fácil acesso para toda a população residente entre o Canal Itajuru e o Canal Palmer. Está conectada ao Parque Municipal Dormitório das Garças, servindo de corredor ecológico e local de alimentação para muitas espécies, e de abrigo para aves migratórias todos os anos.
Apesar disso, a ideia da criação de um parque urbano no local enfrenta todo tipo de resistência. A municipalidade, representada pela prefeitura, com seus órgãos ambientais, e a Câmara de Vereadores não querem sequer discutir o assunto, temendo contrariar interesses do mercado imobiliário.
Até aqui a área permanece vazia, apesar de já existirem projetos de ocupação em andamento há muito. Hoje, especula-se a ocupação para extensão do estacionamento do shopping, mas na documentação do licenciamento ambiental para a construção do empreendimento, o Estudo Arquitetônico Preliminar apresentado ao Inea prevê a implantação de duas torres no local, uma comercial integrada ao shopping e outra residencial.
Três fatos e um destino
O DNA ambiental de Cabo Frio pode ser constatado a partir de três episódios recentes. O primeiro aconteceu em 2006, com a criação da Lei nº 1968, que fez mudanças na Lei de Zoneamento do município exclusivamente para a área onde se pretende construir o projeto Costa Peró, na época denominado Rserva Peró .
O empreendimento ocupará, caso consiga superar os embargos judiciais dos quais é alvo, uma área superior a quatro milhões de metros quadrados entre Cabo Frio e Búzios, engolindo um vasto campo de dunas, vegetação de restinga e alagados que servem de habitat para espécies raras, no bairro Peró.

O pacote de ocupação da área teve início no ano 2000, data do primeiro Masterplan de um mega empreendimento imobiliário para o local. Mas a roda só começou a girar mesmo em 2002, quando, por inspiração dos empreendedores, foi editado o Decreto Estadual n° 31.346, criando a APA do Pau Brasil, cujo Plano Diretor foi presenteado ao Estado pelos empreendedores. Lá foram definidas as normas de ocupação e uso do solo para a área, totalmente adequadas ao Masterplan.
Tendo como promessa de ponta a construção de um resort com a bandeira Club Med, o empreendimento não cumpriu esse compromisso. Quando do início das obras, em 2013, constatou-se que apenas loteamentos estavam sendo implantados sobre as dunas, o que provocou a revolta de ambientalistas e o embargo da obra.
Uma Nova Ogiva em 24 Horas

O segundo capítulo da saga expansionista de Cabo Frio foi escrito em 2008, mais uma vez sob o protagonismo da Câmara de Vereadores. A votação da Lei 2126, aconteceu em caráter de urgência por solicitação do então prefeito Marcos Mendes.
A nova lei alterou o gabarito no bucólico bairro da Ogiva de 2 para 5 andares, com o objetivo de viabilizar a implantação de um projeto imobiliário de grande porte no local, e liberou a ocupação total das áreas remanescentes de antigas salinas, hoje tomadas por alagados e extenso manguezal.
O Projeto de Lei 048, que originou a lei, chegou à Câmara às 17 horas do dia anterior à votação. A aprovação relâmpago uniu as bancadas adversárias do prefeito e do então deputado estadual, Alair Corrêa.
Um shopping sobre a Lei

O destino de cidade grande, 100% ocupada e sem passado, vai se concretizando rápido. Em 2012, uma área com mais de 100 mil m² contendo vegetação protegida por lei, manguezais e sítios arqueológicos, classificada como Área de Proteção Permanente (APP) segundo o artigo 166 da Lei Orgânica do Município, foi ocupada sem cerimônia para a implantação de um shopping.
Para isso, a cidade rasgou seu Plano Diretor, que no artigo 20 estabelece como diretriz “preservar e conservar as áreas ambientais estabelecidas na lei”. Deu também um chega prá lá na Constituição Estadual, cujo Artigo 268 estabelece como APP os manguezais, lagos, lagoas, lagunas e sítios arqueológicos. E, também, precisou rasgar a Lei de Zoneamento da cidade para encaixar um gigante comercial em área estritamente residencial, classificada no artigo 14 da lei como ZR-3 (Zona Residencial -3).