Na pior crise da história de Cabo Frio, prefeitura tenta banir inquilinos temporários

Turistas no Canal Itajuru, em Cabo FRio

Atitude, tomada em nome da Pandemia, acolheu interesses do parque hoteleiro da Cidade que tem cerca de 14 mil leitos para atender um fluxo turístico que supera 500 mil pessoas nos feriados.

A decisão de proibir a locação de imóveis por temporada, tomada por decreto em nome da Pandemia, nunca teve consenso sobre os  benefícios sanitários a conquistar. Mas, contribuiu  fortemente para jogar num buraco negro a Economia do Município, totalmente dependente da movimentação de turistas na Cidade.

O aluguel de imóveis por temporada é atividade regida pela  Lei Federal nº 8245-91, artigo 48.  O setor atende a um publico diferenciado que, em geral, prefere viajar com toda a família levando, inclusive, seus pets e outros pertences. Esse público, altamente consumista,  gosta de privacidade e prefere estar em lugares exclusivos, onde tenham o controle total do ambiente, sem compartilhamento com terceiros.

Em Cabo Frio, a atividade tornou-se um dos sustentáculos da movimentação turística na Cidade, preenchendo a lacuna existente na ofertas de leitos para visitantes.

Simone Fernandes, proprietária de imóveis

Simone Fernandes de Matos é proprietária de imóveis em Cabo Frio e aluga para inquilinos temporários há mais de 15 anos. Ela reage à pecha de ilegalidade que se tenta aplicar ao setor.

 “O problema mais grave é a falta de informação e a circulação de informações erradas. Veja,  até mesmo os vereadores quando perguntados sobre a nossa situação, não sabem responder. Vem sempre a expressão “imóveis irregulares”. Ora, mas  isso é uma grave distorção da realidade, pois o aluguel por temporada é atividade legal, regulamentada por Lei Federal , a Lei do Inquilinato. É preciso restabelecer a verdade, que está obscurecida no momento”, diz Simone.

Regras Confusas E Diálogo Escasso

O hoteleiro Carlos Cunha,  secretário de Turismo de Cabo Frio, defendia com ênfase a proibição alegando razões sanitárias. “Só quem tem licença da Vigilância Sanitária pode trabalhar. Se você quer transformar a sua casa num comércio, ele precisa ser vistoriado”, declarou em entrevista à CIDADE.

Ele  informou que a atividade estava liberada apenas para casas “legalizadas”, designadas por ele como “hospedarias”. “Hospedarias é o termo técnico que usamos para casas que tenham Alvará, CNPJ, Cadastur, Licença Sanitária. A nossa ideia é trazer todo mundo para formalidade.  Passada a Pandemia, a Lei do Inquilinato  protege os que quiserem alugar seus imóveis”, afirmou o secretário.

Carlos Cunha, secretário de Turismo

Mas, diante da pressão nas redes sociais e da enxurrada de comentários negativos nos sites da prefeitura, mudou sua postura passando a falar numa legalização mais branda, que não confunda residências com estabelecimentos comerciais.

No intuito de mapear a atividade, foi lançado um cadastro para identificar os imóveis que fazem locação por temporada. “Todos aqueles que querem transformar sua casa em comércio precisarão se cadastrar para a gente saber onde estão, e assim poder fiscalizar”, afirmou.

O formulário já está disponível no site prefeitura e, num primeiro formato, fazia a exigência do número do Cadastur  dos proprietários,  o que causou desconforto e desconfiança nos interessados.

Reação Imediata

Nos vários grupos de whatsApp de proprietários de imóveis, e em suas redes socias, a reação foi imediata.

“Isso foi lançado na surdina, sem avisar ninguém. Eu entrei para ver e continuam insistindo em Cadastur, coisa que não existe para o nosso meio, pois para ter o documento é necessário ter o CNPJ, e nós somos proprietários de imóveis. Então, continua a incoerência”, dizia Simone, logo após a publicação do formulário.

A desinformação é a principal ferramenta da prefeitura. Nenhuma reunião foi feita com proprietários antes do  lançamento da proibição, nenhuma comunicação foi enviada ao púbico a que se destina. Embora a prefeitura tenha total controle sobre o setor de propriedade de imóveis, com dados atualizados o suficiente para fazer chegar os carnês de IPTU pontualmente, todos os anos, aos proprietários.

Opiniões Divididas

Diante da reação negativa, a prefeitura retrocedeu tirando do formulário a exigência de apresentação do Cadastrur, mas nem assim conquistou a credibilidade necessária para conseguir unanimidade junto aos proprietários.

Gabriel Negreiros, proprietário de imóveis

As opiniões estão divididas, de um lado um contingente que não acredita nas boas intenções da prefeitura.  “Gente, não adianta pedir um documento escrito da prefeitura garantindo que não vai nos cobrar nada posteriormente. Ele promete, muda o governo, o próximo vai querer cobrar!”, disse Fernanda Souza.  Já Andre Soares foi mais incisivo: “Eu não vou aderir ao cadastro, não confio nessa gente”.

Por outro lado a iniciativa, passados os primeiros mal entendidos sobre a natureza do cadastro, começou a ser bem recebida por alguns proprietários. Gabriel Negreiros conseguiu ser recebido pelo prefeito e considerou o resultado positivo.  

 “Ao que tudo indica esse episódio está superado. Enfatizamos que somos o principal meio de locação dos turistas, que precisamos ter voz e sermos respeitados. Mostramos mais uma vez que queremos organização, que cumprimos os protocolos da Covid-19,  e nos comprometemos em continuar seguindo”,  relatou  após o encontro.

O Que Diz A Lei ?

Marcelo Soares Monteiro, advogado

O advogado Marcelo Soares Monteiro, pós-graduado em Direito Imobiliário, é presidente da Comissão de Direitos Imobiliários da OAB Cabo Frio e membro efetivo do Conselho Subseccional da entidade. Ele confirma que o artigo 48, da Lei nº. 8.245/91, que fixa as regras da Locação de temporada, encontra-se em vigor.

” A Lei Federal é aquela que se aplica em todo território nacional, enquanto que o Decreto Municipal é de âmbito específico daquela Cidade. Via de regra, não poderia se sobrepor. Contudo, o Direito é formado por teses. A tese maior utilizada para se conter o avanço da Covid-19, é o Direito à saúde, prevista no Art. 23, II e 24, XII, da Constituição Federal, sendo, portanto, competência concorrente. Entenda-se por saúde, o bem maior da vida, sendo que esta deve se sobrepor à qualquer outra norma”, esclarece o advogado

Ele também observa que o Art. 30, da Constituição Federal de 1988, confere aos Municípios à sua condição de ente federativo, com certas autonomias. “Ensina, seu inciso I. “legislar sobre assuntos de interesse local”. Essa condição está referendada pelo STF. Logo, entendo que eventual demanda proposta pelo cidadão que se sentir de alguma forma “prejudicado”, estaria fadada ao insucesso”, elucida Marcelo Soares.


Jeová, vendedor de chapéus na Praia do Forte, faz apelo pelo retorno do Turismo em Cabo Frio


Crônica De Uma Crise Anunciada

Para o secretário de Turismo, Carlos Cunha,  a crise está dentro do planejado. Ele observa que a prefeitura  objetiva diminuir 50% da atividade econômica enquanto durar a Pandemia.”O Decreto Municipal prevê redução de 50% das atividades”, informa.

Para quem está na outra ponta do problema, a coisa não é tão simples assim. A empresária Ielra Viter, tem marcante atuação no segmento moda praia há mais de 27 em Cabo Frio, no comando da marca Enseada. Ela diz que a Cidade nunca passou por uma crise como esta, para além do momento atípico.

Ierla Viter,empresária

“Desde janeiro a prefeitura vem emitindo decretos restritivos que impactam diretamente a Economia. Longe de mim questionar o que é certo ou errado, pois não posso fechar os olhos e ignorar a gravidade do que está acontecendo. Mas, eu acho que as coisas poderiam ser resolvidas de uma maneira mais sensível, ouvindo quem sente a dor, porque foram muitos empregos que deixaram de existir”, diz a empresária que também precisou fazer cortes em sua equipe.

Ielra acredita que,se tomados todos os cuidados, o impacto financeiro poderia ser menor do que tem sido. “Especialmente no verão. Na Semana Santa, então, foi um desastre”, relata.

Na Semana Santa, o Comércio já trabalhava com a expectativa de faturar menos, em torno de 70% do ano passado, mas a realidade foi muito mais devastadora.  “Faturamos entre 15 e 20% do esperado”, conta Ierla.

Na Praia do Forte Luzes Apagadas E Invasão De Ambulantes

Coração da movimentação turística na Cidade, a Praia do Forte foi um dos locais mais atingidos pelas proibições decretadas; dentre elas, o desligamento das luzes da rua e o fechamento obrigatório às 23 horas, além do toque de recolher a partir da meia noite.

Eliete Bello Albuquerque, empresária

A empresária Eliete Bello Albuquerque, proprietária do restaurante Vira Verão, um ícone da Cidade, diz que nunca viu crise assim.  “Está muito difícil mesmo”, observa.

Eliete conta que o movimento caiu cerca de 70%.  O restaurante, que tem mais de 40 anos, e é um ponto de referência para o Turismo, sustenta 40 famílias em seu quadro de funcionários. Ela diz que ainda não fez demissões, mas adverte: “ se continuar assim, no pé que está, não vai ter outro jeito. Porque nós estamos hoje vendendo o almoço para pagar o jantar”, afirma

A empresária também  reclama do assédio  aos clientes feito por vendedores ambulantes que perambulam pela orla. “A prefeitura tinha que tomar uma providência. São uns meninos abusados, que ofendem as pessoas quando não recebem o que pedem. Acho que o Conselho Tutelar  e a Postura deveriam tomar providências quanto a isso. Muitos clientes dizem que não voltarão mais ao restaurante por causa disso.  “ Em meia hora que estive aqui, mais de 10 vendedores me abordaram”.  E nós não temos como impedir a entrada deles”, lamenta.

“Em 2021, Nós  Vamos Colher Os Frutos, Maléficos,  Do Ano Que Passou”

Patricia Cardinot, empresária e presidente do CCS

A empresária Patrícia Cardinot, presidente do CCS (Conselho Comunitário de Segurança) e ex-presidente da Acia, afirma  que  a gravidade da atual crise poderia ter sido amenizada, “se a abertura de diálogo fosse mais flexível” . 

Ela observa que as flexibilizações  que estão acontecendo agora  já poderiam ter sido feitas, como no caso do setor de eventos.

“O decreto anterior permitia eventos com até 100 pessoas  e estava dando certo.   É claro que abusos de aglomerações praticados por alguns empresários ficam fora do contexto  e foram punidos por isso”, lembra.

“Nós precisamos continuar a vida, como já acontece em  vários países . É fato que muitos ainda serão atingidos pelo vírus, mas precisamos continuar”, diz a empresária.

Ela lembra que o empresário é muito julgado  por “só pensar em dinheiro”. “Mas isso não é a realidade. Muitas famílias dependem de nós . E não podemos esquecer que  as  pessoas que não se beneficiam de cargos públicos, ou de vagas fantasmas de governos, sobrevivem do seu trabalho. E se elas não têm trabalho, elas não sobrevivem”, afirma .

Para ela este é o momento mais tenso que a Cidade já viveu . “Agora, em 2021, nós  vamos colher os frutos, maléficos,  do ano que passou , e nós  precisamos estar muito centrados, muito em harmonia. E o poder público tem que ter uma mente aberta , flexível  para poder ouvir propostas, ouvir colocações . E não ser um governo de imposição, do que ele acha que é certo fazer,  sem ouvir o que as pessoas pensam .  Esse poderia ser um caminho para se chegar a um consenso comum a todos, favorável a todos e não apenas a alguns”, finaliza a empresária.

Por Niete Martinez

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